1. Segundo os últimos estudos realizados, o fenômeno da consciência é um epifenômeno, ou seja, acontece ou se estabelece "em torno de" alguma coisa ou processo. No caso, em torno de um complexo de percepções sensoriais e de interpretações que o cérebro faz de tais percepções. Verifica-se que este complexo tem efeitos no nÃvel da nossa mente de modo a que experimentemos um dado “momento presente”alguns milissegundos depois de as coisas terem acontecido no nÃvel sensório.
2. Esta condição de consciência constitui o que por vezes se denomina “vigilância primária”, ou atenção imediata. A [auto]consciência propriamente dita emerge quando exercemos uma “vigilância secundária”, ou quando observamos o nosso próprio processo de observar, o que, é claro, acontece em dois ciclos: no primeiro, obtenção pelos sentidos de informações e seu processamento primário; no segundo, em paralelo com o primeiro, mais ligeiramente atrasado, o “dar-se conta” do resultado.
3. O fenômeno a que te referes é conhecido como “déjà vu” (do francês “já visto”), ou promnésia (um termo que não pegou). Até pode ser que, realmente, o sujeito tenha tido experiência anterior semelhante. Neste caso, pode demorar um pouco, mas acabar por se lembrar dela, ou conformar-se, aceitar que, bem, esqueceu. Ou pode ter uma sensação de “estranheza”, justamente por ter certeza de que, objetivamente, “nunca passou por nada similar”. Esta é que é verdadeira a sensação de “déjà vu”. Então: “déjà vu” é uma experiência não de “familiaridade” pura e simples, mas, sim, de “estranheza” com a familiaridade que se julga indevida.
4. Com base no que foi explicado acima, o “déjà vu” decorre de uma “vigilância secundária incompleta”, ou seja, acontece o primeiro ciclo, sem se completar o segundo. O cérebro tem as informações e as estrutura num complexo, mas não ocorre a percepção, em nÃvel consciente, por qualquer motivo (uma distração qualquer, do meio externo, ou de algum pensamento que se tenha em meio à percepção). Mesmo assim, este complexo perceptivo NÃO se perde (como de resto, NADA que o cérebro perceba deixa de ser registrado). Em seguida, recomeça o ciclo perceptivo. A mente terá, em curtÃssimo intervalo de tempo, dois complexos perceptivos praticamente idênticos. Pode ser que isto não constitua problema, simplesmente se usa o conjunto mais recente e pronto. Mas se os resquÃcios da primeira percepção forem muito fortes, podemos ser conduzidos, automaticamente, a uma experiência de “vigilância secundária”, comparando as duas percepções. A memória é um processo altamente associativo, ou seja: certas “chaves” ou pistas sensoriais (uma nota musical, um vestÃgio de perfume etc.) evocam seqüências inteiras (seja de 30 anos atrás... seja de 30 milissegundos...). Resultado: a sensação de “já ter visto ou experimentado isto”.
4. Conclusão: o “déjà vu” vem de uma comparação praticamente inconsciente que fazemos de uma percepção com outra no intervalo de alguns milissegundos. A primeira foi incompleta, mas foi suficientemente forte para emergir de modo residual como uma lembrança (que de fato é), mas que nunca esteve antes na nossa consciência, ou melhor, nunca chegou a se incorporar ao processo de construção da consciência.
à interessante que o “déjà vu” acontece mais com pessoas jovens. Isto é um indÃcio a mais de que é um processo fisiológico, mesmo, e não tem a ver com vidas passadas etc. Senão, por que não seriam os idosos a terem mais vezes esta sensação? Afinal, eles têm muito mais experiências vividas...
Também há situações mórbidas, em que o sujeito passa por repetidas experiências de “déjà vu”, que os neurocientistas têm associado com problemas com o cérebro, especificamente no que se refere aos mecanismos fÃsicos relacionados com a memória.
Etc.